Temos um grande acúmulo de tentativas de adaptação de RPGs e jogos que beiram aos RPGs para o entretenimento eletrônico, desde o fim da grande crise da indústria de videogames em 1984 - e adaptar o poder das narrativas e construção semiótica do RPG de mesa foi um grande desafio.
Desde os anos 70, quando no início do RPG, dois gêneros de RPG de mesa foram se formando e reformando: um mais voltado para a dinâmica do conflito em si, hack'n slash - dungeon crawler; e outro mais voltado para o conflito indireto, envolvendo conspirações e outros aspectos que tangenciam o conflito. Ambos foram sim bem trabalhados, com suas complexidades, seus acertos e fracassos, seus legados. AD&D como o forte expoente do primeiro e Vampiro: A Máscara do segundo.
Ao transpor os diversos aspectos de ambos gêneros, sincretizando ou não eles, para o jogo digital - O RPG eletrônico teve seus próprios aspectos constituintes em desafio. Dar corpo ao imaginário narrativo, e colocá-lo nas mãos de um usuário do mundo digital foi uma tarefa muito árdua. O cânone literário do RPG de mesa acabou servindo apenas como uma referência no plot, pois as tarefas típicas do jogo digital tiveram centro - gameplay, sonoplastia, level design - tudo de acordo com o contexto tecnológico da época.
O RPG eletrônico de turno e 'tático' pôde prosperar durante as duas primeiras décadas, tratando o conflito em si como uma questão não tão importante para se representar graficamente, e sim o planejamento tático e o envolvimento com a trama de núcleos. Algo provindo da síntese do dungeon crawler com a hipertextualidade dos livros de aventuras-solo. Um jogo eletrônico em que poderia se ter uma certa não-linearidade, podendo avançar e recuar no espaço-tempo, salvar e desligar.
As interfaces de usuário se desenvolveram bastante já que não se poderia representar graficamente tão bem uma dinâmica narrativa. Uma geração inteira de jogadores que tinham por preferência 'mexer em menus' do que 'jogar' se formou na década de 90. Passando por Ultima, Zelda, Final Fantasy, Pokémon até chegar na 'tela cheia e complicada' de MMORPGs como World of Warcraft.
Nos anos 2000, o salto do isométrico para o 3D permitiu uma maior realização das narrativas no jogo digital. Os RPGs eletrônicos assumiram então aspectos que estavam se desenvolvendo e dando certo em outros jogos eletrônicos como de aventura e luta. Poder movimentar um personagem em profundidade e dar essa sensação de controle para o usuário foi tido como uma grande conquista.
Os elementos do RPG consagrados nas primeiras décadas foram deixados um pouco de lado no RPG eletrônico, a ponto de se inaugurar um cânone próprio de um tipo de hack'n slash que considerava mais o gameplay e as cutscenes. Um processo entre Diablo e Devil May Cry. Tal inauguração chegou a abafar todo o projeto de não-linearidade de Shenmue em 1999, só popularizado mais tarde com o sucesso de GTA San Andreas em 2004. E na passagem para o século XXI, os próprios jogos de luta e aventura tiveram versões que se aproximariam do conceito de RPG, pegando somente alguns elementos básicos que mais tarde caracterizariam o Action RPG - por exemplo, o mix de beat 'em up e RPG numa modalidade em Tekken 3, pioneiramente em 1998.
O Action RPG se caracterizou em oposição ao que se considerava 'tédio dos RPGs de menu', ou seja, a redução do gameplay a o manusear de janelas gráficas. Porém, houveram projetos que conseguiram harmonizar muito bem os públicos e os conceitos de forma vanguardista, como Castlevania: Symphony of the Night em 1997. Os RPGs 2D e 2D isométricos tinham ainda grande prestígio (e ainda têm, dado que só ano passado que Pokémon deu o salto para 3D nos portáteis) ao mesmo tempo que a indústria do processamento gráfico pressiona as produtoras para o estabelecimento da Era 3D.
Então, o conflito no mundo 3D foi um diferencial para afastar o RPG eletrônico da construção narrativa do RPG de mesa. Atualmente a fusão com o FPS e o conceito de arena/duelo, são adições ao que se considera Action RPG também. Perspectivas gráficas e motoras ficaram ainda mais acentuadas nos anos 2000 e 2010.
O conflito no RPG passou por representações e estéticas fracassadas dos beat 'em ups até o controle motor dos modernos FPSs. Porém agora, em 2014, temos mais condições tecnológicas-conceituais-simbólicas para melhor fundamentar o conflito no RPG eletrônico.
Na imagem, um contraste entre as formas canonizadas de conflito que podem influenciar o Tree of Savior: de Fighting Force de 1997 para Granado Espada de 2006. De 3D experimental, passando por um 3D mais alicerçado, para um novíssimo 2D-e-meio pós-isométrico.
Deixo para a reflexão: o imaginar de uma ação física, seu espetáculo, sua sensação e sensacionalismo, num grupo de RPG de mesa; O deslize dos dedos em que um personagem gráfico possa representar essa ação física. Como pensar, aguardar, torcer por esse Tree of Savior de 2014 que tem uma enorme carga de quase meio século de RPG e certamente mais da metade de meio século de RPG eletrônico?
Análise feita por Leo Soi.